Vniversale descrittione di tvtta la terra conoscivta fin qvi

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Retrato Urbano

Fazia tanto frio na praça, que Francisco julgou provocar-se um estalo entre os dentes, um estalo seco, pois não podia vir de nenhum outro lugar o som que ouvira, ainda que tão absorto estivesse, estagnado no banco, acordou-se perplexo, no secar de uma última lágrima, e soprava tão finamente o vento naquele fim de tarde que ninguém veria uma folha sequer arrastar-se pelas calçadas apetecendo o ouvido de qualquer resquício nostálgico que desse de vagar pela cabeça. Francisco mordiscou o filtro do cigarro, estalando os dentes mais uma vez. Tinha o receio em tirar a mão do bolso quente e bater a cinza ao chão, confortando-se em deixá-la cair sobre o próprio sobretudo, e a fumaça, tão serena dobrava-se sobre a aba da boina, contornando o tristonho semblante de um homem que, a última coisa que podia transparecer, é que perdera completamente a noção do tempo. Teriam passado trinta, quarenta, cinquenta minutos, muito provavelmente mais de uma hora, e sabia tão bem Francisco que sua verdadeira vontade era de não voltar em casa pelo menos até alguma hora da madrugada que contentou-se, com os olhos sombreados em fitar vagarosamente um velho que atravessava o largo, ofuscado com os últimos raios de sol que manchavam sorrateiramente o dia nublado, segurava uma sacola, voltando da padaria, quem sabe, onde comprara um baguete ou meia dúzia de pães. Levantou-se Francisco e andou em passos lentos até o centro do largo, onde leu num busto em mármore, Dom Feliciano José Rodrigues de Araújo Prates, e diante da estátua a encarou, consentindo que a tocasse despretenciosamente, sentiu na ponta dos dedos a pedra fria e gasta, tão somente um material esculpido, nem mesmo uma deixa de condolência. Baixou a cabeça, e em passos pesados acompanhou os próprios pés Francisco, voltava infernalmente a projetar Marina, que não chorava, e tão frias eram as mechas negras sobre o rosto frágil, escondiam uma expressão agoniada, mas não ao passo do desespero, que lhe seria satisfatório, e indiferente como nunca a vira, absolutamente inconcebível, fazia-lhe mal lembrar quaisquer das palavras ditas, fazia-lhe mal lembrá-la virando o corpo e partindo, talvez aquela mesmo teria sido a primeira imagem que teve da mulher independente que sempre almejou, dali mesmo sem hesitar em diminuir o passo ou dar a volta. Em verdade, fazia-lhe tão mal lembrar a cena pois não era possível que aquilo fosse compreendido como passado, porque passado é aquilo que já se viveu, que já se foi e é apenas memória, não como Francisco sentia agora, a tragédia ainda mais crua que lhe parecia doer o peito, arrastava-se cabisbaixo, ainda com as mãos no bolso, envergou o rosto em desespero e fechou o punho, e nenhuma lágrima escorreu, porque não bastaria. Naquele momento apertou o vento um bocado, e ouvia-se pela primeira vez o andar das folhas sobre o asfalto, lembraram a ele um chocalho, e nesse segundo começou a chover por ali de mansinho, emoldurando de longe Francisco, Dom Feliciano e uma cidade molhada, cheia de luzes.

Arthur Wilkens

2 comentários:

Arthur Wilkens disse...

desenferrujando, hehe.

Nathália disse...

Posta mais coisas aí sobre a Mioleba Corporation.