Vniversale descrittione di tvtta la terra conoscivta fin qvi

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O nada

- Quem tu estás esperando?
- Meu pai.
- O que há com ele?
- Está dando adeus.
- Esse hospital... ele tem câncer?
- Não, sua irmã, minha tia.
- Esfriou bastante de ontem para hoje; não há saúde que aguente.
- O acaso é o mais cruel dos homicidas; não há saúde que aguente.
- Meus pêsames.
- A ti também, estamos sujeitos ao mesmo.
- Não gosto de silêncio, ele me constrange.
- Não há silêncio a dois; silêncio a dois brada mudo.
- Pois então, o que veio primeiro: o ovo ou a galinha?
- Depende do ovo, depende da galinha.
- Eu não sei mais se devo acreditar em Deus. Tudo parece mais simples e concreto do que Deus propriamente.
- O que havia antes de tudo o que existe?
- Nada.
- Mostre-me o nada.
- Não existe, é nada.
- Isso é impossível pelo entendimento que tu tens do mundo, percebes?
- Não é impossível; houve o Big Bang e tudo começou.
- O Big Bang pressupõe matéria; e de onde veio essa matéria?
- Sempre existiu.
- Tudo possui um começo e um fim, na nossa concepção, no racionalismo que tu estás a considerar agora. Logo, admitirias que nossa concepção está errada, e terias que adotar imediatamente outra crença. Aí entra Deus.
- Nem tudo possui um começo; algumas coisas sempre existiram.
- Tudo o que sempre existiu partiu da matéria.
- Nem tudo parte da matéria.
- O que não parte da matéria?
- É logicamente impossível que tudo parta da matéria, e que se aceite que a matéria partiu do nada; o nada não teria como ter partido da matéria, logo, o nada é o que nunca partiu da matéria.
- E o que é o nada?
- A escuridão, o buraco negro.
- O buraco negro é o conceito que mais pressupõe matéria.
- Verdade; o que sugeres?
- Sugiro que exista uma exceção que não parta da matéria, aliás, que nem parta, que seja perpétua; não é produto da matéria, nem do cérebro, como é o pensamento, a dor e a subjetividade. Essa exceção é o nada; o nada não parte da matéria, ele é uma terceira via ao que chamamos de concreto e abstrato. O nada não está inserido em qualquer compreensão nossa, porque não está diretamente expresso no concreto nem no subjetivo. O nada é o nada. Deus seria o nada, a única exceção.
- E por que Deus resolveu reger os outros dois conceitos?
-Pelo mesmo motivo que o concreto rege o abstrato; por coação sistemática. O nada não pode ser exemplificado, porque a única exceção não parte de nenhum dos outros dois conceitos. O único conceito visível é o concreto, do qual parte a subjetividade, que é perfeitamente explicável a partir da clareza com que se manifesta sua origem. O nada, entretanto, apesar de dialogar e, mais do que isso, conceber os demais, por estar contido em suas essências de forma indireta, não é claro, e acaba incorporando-se e tornando-se inerente a eles. Por isso, ninguém nunca descobriu o nada, ninguém nunca descobriu Deus.
- Queres dizer que Deus já acabou?
- É tão perpétuo quanto a matéria; pode ser dissolvida, fragmentada, modificada, mas nunca extinta.
- Por isso Deus não aparece? Porque ele não é concreto nem abstrato, não sendo passível de exibição de forma alguma?
- Errado; ele é perfeitamente passível de exibição porque, apesar de não ser propriamente concreto ou abstrato, o concreto e o abstrato necessariamente contêm seu princípio, seu núcleo, e o manifestam, mas simultaneamente o confundem a quem vê, de modo que não é percebido. Vês aqueles pardais pousados na janela?
- Vejo, certamente.
- Compreendes que eles podem estar a sentir, seja dor ou fome, mas inevitavelmente estão suscetíveis a uma infinidade de sensações?
- Com certeza.
- De que são feitos os pássaros?
- Pele, osso, carne, conjunto que, segundo a tua teoria, a qual, nesse ponto específico, conta com o meu crédito, origina o subjetivo, o abstrato contido no nem tão complexo contexto de um pássaro.
- Nem tão simples assim, mas está correto. Então entendes que a matéria é o princípio de tudo, ou seja, a conjunção da pele, do osso e da carne; mas o que constituiu tudo isso? Seguiremos em uma linha de raciocínio que, dependendo dos caminhos percorridos, nos levará às mais primitivas substâncias, mas necessariamente substâncias. Impossível será converter alguma noção abstrata em matéria propriamente dita. Tomemos como princípio da constituição corporal dos seres poeira cósmica; a poeira cósmica seria produto do nada. Quais os mecanismos do nada? Impossível descrever, visto que só encontramos sistemas e até mesmo construções verbais que designem o abstrato e o concreto. O importante é que o nada existe e, enquanto negado como via independente, livre da matéria e do subjetivo, torna paradoxal qualquer explicação à existência concreta ou abstrata de tudo.
- Interessante, certamente interessante, mas tenho uma dúvida. Por que escolheste a palavra “nada” como nomenclatura a essa suposta terceira via ou terceiro grau da existência? Ou devo chamar de primeiro grau da existência?
- Perfeito, muito bem observado. Escolho “nada” por um motivo bem simples: o nada é a palavra mais paradoxal e inexplicável que posso imaginar, muito de acordo com a significação a ela concedida. Quando disseres, por exemplo, “não quero nada” ou “quero nada”, estarás querendo exatamente o mesmo, o que pressupõe, talvez, a essência do paradoxo crucial da existência. Ademais, foste tu quem sugeriu a palavra, quando te perguntei o que não parte da matéria, ou o que a antecede.
- Uma última questão, dessa vez nem tão complexa: o que fazes da vida?
- Sou filósofo.
- Eu poderia apostar.
- Costumam dizer que filósofos não fazem nada.
- Isso deve te orgulhar. Aquele homem te chama, seria teu pai?
- É ele mesmo. Estou indo, até mais.
- Espera! O teu nome?
- Fica também a teu encargo.

Por isso eu não me calo frente a nada, mas estou sempre envolta no mais pleno silêncio.
.

Por Gabriela Richinitti via Gabriel
www.insanidadeletrada.blogspot.com

3 comentários:

Arthur Wilkens disse...

excelente! gostei muito do conto, de verdade.

John Keys disse...

DEUSA DE FALA MELÍFLUA

juliane disse...

ques louco