Amanda não se conformava em ser uma pessoa um tanto distinta das outras. Seus interesses estavam sempre ligados à arte, sua maior paixão era o desenho. Também gostava de ler muito, e ocasionalmente, arranhava uns acordes no violão. Nunca ia à festas, as achava entediantes e um mero desfile de roupagens e desejo de aparecer mais que o outro. Ela também não era bonita, o que dificultava que qualquer garoto interessasse-se por ela, ao menos de primeira vista. Ela, entretanto, teve um namorado, do qual partilhou um ano de profunda amizade seguido de um relacionamento de mesma duração. Fazia pouco tempo que ela o deixara, e era como se nada tivesse mudado, sua então tentativa de adequar-se ao sistema social falhara indubitavelmente. Amanda estava plenamente consciente que ser uma pessoa diferente podia ser um trunfo em alguns aspectos, ainda mais em seu caso. Porém, no âmago do seu ser ela queria ser nada mais nada menos que uma garota qualquer, processo inverso ao usual. Ela não demonstrava nem se esforçava muito para concretizar este sonho.
Foi quando eu estava desenhando essa pomba no centro. Muito bonita e tentava captar tudo. Medo de mendigo era tarde. Mendigo e pomba me deu essa coisa estranha, um impasse tolo aparente. Mudar sim eu posso. Preciso ser franca se quero pra valer. Desisto dessa vida de dor que esse ser diferente me provoca um dia afogo num poço bem grande de luto se continuo. Quero amigos comuns. Quero gostar de música ruim. Quero ter um namorado infiel e chorar por ele, comer demais e engordar quero abrir mão de quase tudo. Quero me alienar, qual seria o primeiro passo para afogar minhas hemoglobinas em mesquinhez? Assistir novelas e ir à festas? Só não prometo que vou conseguir. Preciso de um algorítimo que permita uma idiotização total. Desse jeito não dá mais. Raiva.
A praça estava escurecendo. Havia apenas uma pomba velha, uma garota e um mendigo. A pomba catava com desespero qualquer migalha no chão. A menina estava focada para dentro de si, revendo conceitos com um lápis em mãos. O mendigo tentava lembrar onde estava ontem e imagina se a menina não tem um dinheiro para uma pinga.
Cai o lápis no chão, uma pomba voa, o caderno meio desenhado é jogado para cima: Há um risco forte e intenso nas duas páginas desenhadas, quase um rasgo na folha que quebrou a ponta do lápis. O mendigo pensa se vai lembrar do que fez hoje no dia seguinte. A garota deixou uma nota de dois reais no banco.
(...) A Amanda mudou demais, Pai. Não é a mesma garota que conhecia. Costumava ser tão assim, autêntica e diferente, sabe? Eu sei que ela tinha vontade de ser como todos os outros, li no diário dela uma vez. Mas nunca pensei que fosse algo sério. Se tu for procurar uma Amanda Mizotti, vai encontrar uma guria fútil e sem nada de mais, à primeira vista. Ela era muito persistente, já te falei isso nas outras cartas, e parece que conseguiu ser o que queria ser. E ela está com um brilho diferente, aquela dor revoltada nos desenhos insanos viraram uma felicidade verdadeira, só tenho pena que isso era a aspiração dela, uma garota às avessas, é o que ela é. Mas ainda dói. Não doía tanto quando ela tinha terminado comigo, mas ela cortar contato e fazer as porcarias que está fazendo, não sei, Pai, preço alto por uma "normalidade". Mas beleza, que seja feliz né? Quase não cabe mais nada aqui, beijo, te amo, saudades Pai.
Ouvimos, por fim, um pio de uma pomba, um arroto de bêbado e um grito de menina.
Gabriel Engelman
3 comentários:
O Gabriel escreve, escreve, escreve... Não para mais de escrever... Tu tá estudando??
Claro que estou! Mas eu acabei desatinando pela escrita, sei sim que é em mal hora, mas acontece né
Dica: No meu blog eu escrevo ainda mais D:
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